Você sabia que mais de 70 mil pessoas se contaminam por ano no mundo pelo uso indiscriminado de agrotóxicos? Os números chamam atenção e são da Organização Internacional do Trabalho (OIT). O uso desses defensivos químicos nas lavouras cada vez mais despertam o debate entre a opinião pública. No Brasil, o assunto resultou até na criação do Dia do Controle da Poluição por Agrotóxicos (11 de janeiro), que tem o objetivo de conscientizar sobre os riscos para a saúde e para o meio-ambiente, quando há o uso indiscriminado de substâncias agroquímicos, pesticidas e praguicidas.
Em Mato Grosso, a reflexão se faz mais necessária do que nunca, tendo em vista que o estado é campeão em uso de agrotóxicos em suas lavouras, principalmente nas culturas da soja, algodão e milho. É o que revela um estudo do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), que apontou que a exposição a esses agentes químicos no estado é 10 vezes maior, por pessoa, em relação à média nacional.
CONTAMINAÇÃO
Marcos Ferreira, doutor em Ciência Florestais e coordenador do Subprograma Territórios Indígenas (STI) do Programa REM Mato Grosso (do inglês, REDD para Pioneiros), explica que as formas mais comuns de contaminação são por contato dérmico [pele], inalação ou via oral durante o preparo e aplicação dos defensivos.
Marcos Ferreira, doutor em Ciência Florestais e coordenador do Subprograma Territórios Indígenas do REM MT. Crédito: REM MT
“E quando a contaminação de fato ocorre, ela pode provocar nos seres humanos desde dificuldades para dormir até abortos e má formaçã fetal, e teoricamente, existe a possibilidade de carcinogecidade (substâncias capazes de promover alterações genéticas que podem causar câncer)”, alerta o especialista.
Outro tema que merece muita atenção, segundo Ferreira, são as pulverizações aéreas.
“Este procedimento deve ser realizado por profissionais muito capacitados, pois a deriva de agrotóxicos levados por ventos podem atingir áreas que não eram objetos da pulverização, podendo poluir rios, lençóis freáticos e outros ecossistemas para além da propriedade ou cultura. Esse procedimento, por sinal, é proibido pela União Europeia desde 2009, sendo autorizado apenas em casos excepcionais, justamente pelo potencial de contaminação que pode causar em populações e no meio ambiente”, explica Ferreira.
ALTERNATIVA
Mas, o que fazer então? Uma das alternativas, conforme Ferreira, são as produções agroecológicas, que propõe a redução ou eliminação do uso de agrotóxicos na produção de alimentos, tais quais: os Sistemas Agroflorestais (SAFs) e a utilização de defensivos biológicos (no combate às pragas) e de fertilizantes naturais (para fortalecer o solo).
“O grande desafio continua sendo encontrar alternativas economicamente viáveis para os grandes produtores de commodities”, acrescenta o especialista.
DESINFORMAÇÃO
Rafaella Felipe, coordenadora do projeto Gaia – Rede de Cooperação para Sustentabilidade – destaca que também há muita utilização indevida de agrotóxicos na agricultura familiar. Isso se dá, conforme ela, porque os trabalhadores são carentes de assistência técnica e orientação para aplicação dos insumos.
Rafaella Felipe, coordenadora geral do projeto socioambiental Gaia. Crédito: Gaia
“Já presenciamos casos de agricultores aplicando veneno para combater pragas em plantações de couve, mas o produto era específico para atuar em lavouras de algodão. Quando isso ocorre, as pragas podem até se tornar mais resistentes, continuando a danificar as verduras e as hortaliças. Há também casos em que eles começam a aplicar uma dose e não surtindo efeito, vão aumentando e aumentando até chegar a números absurdos de quantidade de aplicação”, relata.
PERIGOS
Rafaella ressalta ainda que boa parte dos pequenos agricultores entrevistados pelo projeto já sofreram algum tipo de intoxicação pelo uso indiscriminado de agrotóxicos.
“Uma vez presenciamos uma senhora manuseando Glifosato (herbicida usado para matar ervas daninhas e considerado um dos agrotóxicos mais agressivos para a saúde humana) sem a utilização de luvas e sem qualquer cuidado. Também já soubemos de vários produtores que passaram mal. Alguns só deixaram de utilizar os defensivos depois de quase chegar à morte mesmo, com sérios problemas de saúde, pulmonares, em especial, problemas de pele, quando são muito recorrentes às alergias”, elenca.
Família camponesa prepara biofertilizante sob a orientação do projeto Gaia. Crédito: GAIA.
“NÃO QUERO SABER MAIS DE QUÍMICA”
Quem já saiu dessa roda viva do uso indiscriminado de agrotóxicos foi Moisés Laurindo. O agricultor possui uma pequena propriedade com a família na zona rural de Sinop (a 500 km de Cuiabá). Segundo ele, depois que começou a trabalhar com bioinsumos e biofertilizantes, ele não quis mais saber de agrotóxicos em suas hortaliças. “Nem me passa pela cabeça voltar a usar veneno químico”, reforça Moisés.
Agricultor familiar Moisés Laurindo, que possui uma propriedade de hortaliças e verduras na zona rural de Sinop. Crédito: Arquivo pessoal
A empolgação de Moisés com as práticas agroecológicas não é à toa. Depois que foi inserido no projeto dos SAFs (Sistemas Agroflorestais) do Projeto Gaia, ele aprendeu que existem alternativas de produção, sem a utilização de produtos químicos, que inclusive podem melhorar a renda e a qualidade dos alimentos.
“Antes mesmo da Rafaela (Coordenadora do Gaia) chegar, eu já procurava aplicar inseticidas mais naturais. Daí eles chegaram e mostraram certinho o que eu precisava. E depois que comecei a combater as pragas com defensivos naturais, as verduras ficaram mais saudáveis. Até o sabor delas ficou melhor”, afirma contente o trabalhador rural.
Hortaliças na propriedade de Moisés produzidas sem a utilização de defensivos químicos para combater as pragas. Crédito: Arquivo pessoal
A família de Moisés é uma das 12 que estão inseridas no projeto Gaia, financiado pelo Programa REM MT, e que tem como proponente a Fundação UNISELVA da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT). Essas famílias trabalham na produção de hortaliças e frutíferas por meio dos SAFs [Sistemas Agroflorestais], nas zonas rurais de Cláudia e Sinop, região norte de Mato Grosso. Os SAFs do Gaia são de base agroecológica, ou seja, o alimento é cultivado sem a utilização de insumos químicos para combater as pragas na plantação.
Dos três anos trabalhando com agricultura, ele conta que dois foram utilizando agrotóxicos. “Estou há um ano só utilizando defensivos naturais e está sendo muito eficaz. Não quero mais saber de química. Hoje já produzo meus próprios bioinsumos e biofertilizantes para fortalecer o solo”, diz.
Exemplo de horta baseada em Sistema Agroflorestal. A propriedade é atendida pelo projeto Gaia. Crédito: Gaia
MUDANÇA DE LÓGICA
A própria indústria começou a se atentar para o uso indiscriminado de agrotóxicos, diante da pressão da sociedade por alimentos mais saudáveis e da legislação, que cada vez mais proíbe a utilização de determinados defensivos.
“Algumas multinacionais viram lá atrás que isso seria uma tendência e começaram a se organizar para fabricar esses bioinsumos. Também já existem empresas que foram fundadas nessa lógica e só produzem defensivos mais sustentáveis. Apesar de apenas uma pequena parcela de produtores terem acesso a esses bioinsumos, é uma tendência sim”, enfatiza Rafaella.
ONDE COMEÇAR
A Empresa Mato-grossense de Pesquisa, Assistência e Extensão Rural (Empaer-MT) constantemente promove cursos gratuitos de agroecologia junto aos produtores rurais, como forma de incentivá-los a trabalhar de maneira mais sustentável.
Para saber como participar de um curso gratuitamente ou tirar dúvidas sobre a utilização de agrotóxicos, o produtor pode ligar para (65) 3613-1709 ou procurar um escritório da EMPAER próximo à sua região clicando neste link.
Por Marcio Camilo