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FLORESTA EM PÉ: Projeto incentiva famílias do campo a trocarem agricultura tradicional pelos Sistemas Agroflorestais

O casal Wakinaguni e Maria Asao, da comunidade de Agrovila das Palmeiras, em Santo Antônio do Leverger (Cuiabá, a 86 km), só tinha uma coisa em mente: expandir mais e mais a produção de pepinos para serem comercializados em redes de supermercados na capital. Para isso, eles apostaram na agricultura convencional, com muita utilização de defensivos na lavoura. Por algum tempo deu certo. Os pepinos eram produzidos e vendidos aos montes. Eram caixas e mais caixas… Mas, chegou um momento em que a terra cansou e a grande produção começou a minguar. E isso fez com que eles entrassem num círculo vicioso de sempre precisar abrir novas áreas para sustentar a agricultura convencional.

O ponto de virada desta história veio com a chegada do projeto Campo à Mesa, da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT. De agricultura convencional, eles passaram a trabalhar com os Sistemas Agroflorestais (SAFs), que trouxeram, novamente, vida ao solo da propriedade.

“Estamos contentes com os resultados iniciais. O solo recuperou, deixamos de produzir pepinos, e hoje cultivamos diferentes culturas numa mesma área. É muito mais qualidade de vida para gente”, destaca Maria. 

O casal Asao está inserido num projeto que abrange oito comunidades rurais, situadas na Baixada Cuiabana e região Sul do Estado, e que tem promovido, nos pequenos agricultores e agricultoras, essa mudança cultural de perceber que existem formas mais sustentáveis de lidar com a terra, e, mesmo assim, garantir geração de renda e o sustento das famílias.

PLANTIO DIVERSIFICADO

Hoje, na propriedade dos Asao tem banana, mandioca, feijão guandú e de corda. Defensivos e fertilizantes químicos também deixaram de dar às caras por lá, pois o casal só trabalha agora com adubação verde – por meio do feijão guandú – e pó de rochas. O combate às pragas acontece de modo natural, devido à biodiversidade que se estabeleceu na área.

Apesar da expectativa de renda ser grande, o casal Asao, por outro lado, está ciente que mudanças como essas são gradativas, e os resultados começam a surgir a médio e longo prazo. “Tem que ter paciência, realmente. Mas, no aspecto de saúde, de mais qualidade de vida, a gente já consegue ver os resultados, gerados pelo SAFs”, afirma Wakinaguni Asao.

 

Asao mostra aos técnicos do REM MT em seu Sistema Agroflorestal. Foto: Marcio Camio/REMMT

 

MUDANÇA DE MENTALIDADE

“Olha o tamanho e vigor dessa bananeira! Isso em apenas três meses de SAF”, destacou Marcos Balbino, coordenador do Subprograma Agricultura Familiar e de Povos e Comunidades Tradicionais (AFPCTs) do REM MT. 

 

Pé de banana, de apenas 3 meses, se destaca em meio a plantação no sistema de SAFs. Foto: Marcio Camilo/REM MT

 

Ele, que participou do monitoramento do projeto Campo à Mesa, juntamente com representantes do Fundo Brasileiro para a Biodiversidade (Funbio), se impressionou com a mudança de hábitos no local. “Me chama muito atenção essa mudança de mentalidade em relação à agricultura. Às pessoas começam a perceber que a natureza pode ser uma parceira de suas produções, e que isso pode gerar muito mais renda do que elas imaginam”, ressalta.

A mudança de mentalidade também chamou a atenção de João Melo, gerente dos projetos do REM MT no Funbio. Ele ressaltou que é muito gratificante ver os projetos pensados no escritório acontecendo na prática, e beneficiando centenas de famílias.

“Ver essa transformação de perto, que é a lógica do REM, a teoria da mudança. Ver que as pessoas estão querendo mudar a forma de produzir, estão querendo pensar de maneira sustentável e amigável com a terra, uma relação menos de exploração, de tirar tudo da terra, e mais de trocar, interagir entre as diferentes famílias e com espaço para a natureza”, avalia o gestor.

 

João Melo (de boné), do Funbio, participa de monitoramento do projeto “Do Campo à Mesa”. Foto: Marcio Camilo/REM MT 

 

DA CIDADE PARA O CAMPO

Outro caso de agricultor que decidiu iniciar uma SAF foi José da Silva. Para ajudar a mãe, depois da morte do pai, ele deixou o emprego de eletricista que tinha em Cuiabá e foi para o campo com a esposa e filhos. Os primeiros anos no assentamento Dorcelina Folador, em Várzea Grande, não foram nada fáceis: “O que a gente plantava não ia, não vingava”. Mas, a partir do auxílio do projeto Do Campo à Mesa, as coisas começaram a mudar.

“Olha, inicialmente, eu não acreditei muito. Eu me perguntava: ‘que negócio é esse de plantar um monte de espécies misturadas, e, ainda por cima, junto com o mato, sem fazer o roçado’. Mas, aos poucos, a partir das orientações dos técnicos, fui percebendo que dava certo mesmo. Hoje mantenho 80% da minha área preservada”, diz Silva orgulhoso.

 

José da Silva deixou a vida na cidade para ajudar a mãe no campo. Foto: Marcio Camilo/REM MT

 

AS ABÓBORAS DE JOSELITA

Quem também está feliz da vida com o seu SAF é Joselita Alcântara, moradora do assentamento Dorcelina Folador. Ela vive compartilhando nas redes sociais as dezenas de abóboras que colhe junto com o marido, do SAF que foi criado em seu quintal, a partir do projeto Campo à Mesa.

O tamanho e quantidade de abóboras impressiona. Mas, também não é por menos. Elas são cultivadas em uma área rica em biodiversidade, que conta com pés de babaçu, pequi, aroeira, baru, jatobá e mangaba, além de tantas outras árvores nativas do Cerrado.

O convívio entre diferentes espécies, proporciona um solo rico de nutrientes para que os pés de abóboras de Joselita se espalhem pelo quintal, e garantam renda para a família. “No meu SAF também tem mamão, banana, caju, limão, quiabo, feijão andu e de corda. Estou muito feliz com esse apoio do REM [MT] e do Campo à Mesa”, destaca Joselita.

 

Abóboras de Joselita já são famosas na região. Foto: Marcio Camilo/REM MT

 

SEGURANÇA ALIMENTAR

Para o coordenador do projeto Campo à Mesa e professor da Faculdade de Agronomia e Zootecnia da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), Henderson Nobre, os Sistemas Agroflorestais Florestais (SAFs) reúnem culturas agrícolas em consórcio com as espécies nativas que integram a floresta. Toda essa interação, conforme o professor, mantém a floresta em pé e gera renda às famílias durante o ano inteiro.

“Você têm espécies nativas e frutíferas, tudo numa mesma área, e com isso ocorre o aumento da produtividade, porque há culturas de diferentes hábitos e de tempo de crescimento. Então, enquanto as espécies arbóreas e frutíferas não produzem, você tem as culturas anuais, as espécies perenes, e tudo isso, vai chegar lá no final, trazendo segurança alimentar e aumento de renda para os agricultores familiares”, explica. 

 

Professor Henderson Nobre (no canto à direita), coordenador Do Campo à Mesa. Foto: Marcio Camilo/REM MT

 

O PROJETO

O Campo à Mesa: “fortalecimento de cadeias produtivas sustentáveis em redes de cooperação solidária”, é um projeto de pesquisa e extensão desenvolvido por professores e professoras da UFMT, e que tem a sua gestão executiva, administrativa e financeira tocada pela Uniselva – Fundação de Apoio e Desenvolvimento da UFMT e pelo Instituto Federal de Mato Grosso (IFMT).

O projeto é financiado pelo Programa REM Mato Grosso e concentra seu trabalho em 10 municípios da baixada cuiabana e da região Sul do Estado, envolvendo famílias em assentos de reforma agrária, reassentamentos e em territórios indígenas. Alguns desses municípios são: Acorizal, Chapada dos Guimarães, Cuiabá, Nossa Senhora do Livramento, Poconé, Santo Antônio de Leverger e Várzea Grande.

 

Roda de conversa de agricultores participantes Do Campo à Mesa. Foto: Marcio Camilo/REM MT

Ao todo, REM MT investe R$ 1,4 milhão para desenvolver as atividades do Campo à Mesa, que são baseadas em quatro eixos de atuação: a organização social dos grupos; a transição agroecológica, por meio dos SAFs; a agroindustrialização; e a comercialização, propriamente dita.

“É por isso que a gente chama do Campo à Mesa: vai desde o processo de organização das famílias, até a comercialização do produto lá no consumidor final, que vai estar na cidade”, acrescenta Henderson.

O projeto também é acompanhado pelo Fundo Brasileiro para a Biodiversidade (Funbio), que é o gestor financeiro do REM MT.

 

 

Por Márcio Camilo 

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