Por Vitória Lopes
Viver das coisas que a natureza dá para a gente. Esse é o propósito dos indígenas Zoró, em Rondolândia (1.064km de Cuiabá), que fazem da castanha do Brasil a sua geração de renda, que será facilitada por meio de uma agroindústria inédita no território indígena. Eles fazem questão de ressaltar como as mulheres são a força motriz da aldeia, pois são as responsáveis por coletar, quebrar e limpar as castanhas.
Os indígenas fazem parte do projeto Sentinelas da Floresta, da Associação de Desenvolvimento Rural de Juruena (Aderjur), que foi aprovado pelo edital do Subprograma de Agricultura Familiar e de Povos e Comunidades Tradicionais (AFPCT), do programa REM MT em 2020.
Com apoio do programa REM MT, eles construíram uma agroindústria em meio a Amazônia, para beneficiamento da produção da castanha. O projeto tem por objetivo valorizar os produtos da sociobiodiversidade da região, assim como conservar a floresta amazônica e promover a igualdade de gênero.
A fábrica é uma iniciativa inédita na região, segundo o coordenador do projeto e engenheiro agrônomo, Paulo César Nunes. Isso porque será a primeira agroindústria a ser instalada dentro de um território indígena.
Coordenador do projeto Sentinelas da Floresta, Paulo César Nunes
“Vai beneficiar diretamente a comunidade com um olhar muito atencioso para a questão da inclusão de gênero, a inclusão de jovens, a valorização do trabalho na comunidade e da agregação do valor de um produto da floresta, da sociobiodiversidade local que pode com certeza promover uma transformação social muito importante, garantindo a proteção do território e a conservação da floresta”, explica.
A expectativa é que as máquinas cheguem no local no dia 30 de novembro, seguido por uma capacitação das futuras funcionárias. Paulo prevê que a fábrica estará em pleno funcionamento no dia 15 de dezembro de 2022.
Participação das mulheres na coleta
A natureza repassa a responsabilidade dos seus frutos para as mulheres, que são os arrimos das famílias Zoró. É um trabalho minucioso, que exige um cuidado quase que maternal, de extrair a amêndoa da dura casca sem quebrá-la. São pelas mãos das mulheres Zoró que as castanhas do Brasil, da terra indígena, chegam até o consumidor final.
Katiele Pandere Puxut Zoró aprendeu ainda menina como que se colhe a castanha do Brasil no meio da Amazônia. O trabalho todo é feito em família, então crianças e adultos acompanham a ida até a floresta para encontrar os ouriços – onde as castanhas ficam abrigadas.
Da esquerda para direita: Gisele Atura’am Zoró e Katiele Pandere Puxut Zoró (Crédito: Vitória Lopes / REM MT)
“Minha mãe me ensinou, meu pai, minha vó que entende mais, e ela me explicou tudo que a gente faz, como coletar a castanha. Eu aprendi com eles, eu vou ensinar meus filhos quando tiver eles”, comenta sobre o trabalho genealógico.
Atualmente, Katiele é a representante das mulheres coletoras de castanha. Ela comenta que sua mãe jamais pensou que eles teriam apoio para construir uma agroindústria de castanhas no território indígena.
“Nunca imaginou, mas quando ela ouviu, falou: ‘aí sim, que a gente vai ter nossa própria agroindústria’, ela ficou muito feliz de saber”, relembra Katiele, sem esconder um sorriso no rosto. Inclusive, a própria agroindústria reforça a importância do trabalho feminino.
“Antigamente, as mulheres não trabalhavam as coisas assim, mas agora estamos vendo que é importante para a mulher trabalhar como os homens que trabalham, por isso que a gente quer a agroindústria que fizeram”, conta.
Aliada à extração das castanhas, os Zoró cuidam da floresta como se fosse da sua própria família, explica Gisele Atura’am Zoró, na língua Pangyje. “Nós cuidamos da floresta, porque a floresta é a nossa casa mesmo, por isso que a gente pode cuidar e não desmatar, porque nossas avós moravam aqui. Se a gente morrer, a gente vai ficar aqui mesmo, não vai mudar, por isso é importante cuidar, para a floresta ficar bem”.
Reforçando a fala de Gisele, Katiele conta como as mulheres são importantes na manutenção da família e da vegetação nativa. “É importante nós, mulheres, cuidar, porque nós, mulheres, que cuidamos da nossa família também, e a gente pode cuidar da floresta, porque a floresta que dá renda para nós”.
De acordo com Paulo, a atividade do extrativismo é feita de forma coletiva, mas são as mulheres quem assumem a responsabilidade da extração e limpeza da amêndoa. Portanto, vivem uma dupla e até tripla jornada, ao unir o trabalho com os cuidados domésticos.
“Muitas vezes o trabalho da mulher não é justamente reconhecido, principalmente em termos de remuneração, do recurso que as famílias recebem. Nem sempre as mulheres têm uma participação justa nessa distribuição. O que a gente percebe é que esse trabalho de beneficiamento, de transformação, exige um cuidado, uma atenção que normalmente a mulher se dedica mais do que o homem”, reconhece Paulo.
Galpão de coleta de castanhas, com previsão de funcionamento a partir do dia 15 de dezembro (Crédito: Vitória Lopes / REM MT)
Com a agroindústria, as mulheres terão maior autonomia financeira, além dos esforços celebrados na cadeia da castanha.
“Dessa maneira, a mulher vai ter o seu trabalho muito mais reconhecido, tanto pela comunidade como pelas organizações comunitárias daqui. No final, acaba que a mulher vai ter uma renda um pouco melhor, um resultado financeiro para seu uso pessoal, resolver coisas pessoais da família, desde comprar um livro pra criança, um sapato, o cuidado com cada uma”, reflete.
Valorização da castanha local
Com envolvimento em toda a cadeia produtiva da castanha, os indígenas Zoró têm maior liberdade para definir o preço da venda no mercado. Segundo a assistente da Fundação Nacional do Índio (Funai), Lígia Neiva, a castanha era muito desvalorizada na região, e a comunidade acabava aceitando vender o produto por valores irrisórios.
Peixe feito na folha de bananeira, comida típica da comunidade (Crédito: Vitória Lopes / REM MT)
“É uma dinâmica difícil, tem o desafio do rio, da estrada e das regiões ribeirinhas. É uma luta até o mercado absorver o produto. Cada ano, temos a R$ 1,50 a valorização da castanha. Ano passado já vendíamos a R$ 7,50 e estudamos o mercado, esperam vários critérios, volume de produção e mais oferta”, pontua.
O engenheiro agrônomo e coordenador do subprograma AFPCT, Marcos Balbino, observou que os indígenas Zoró vivem literalmente da castanha, já que ela faz parte da própria alimentação deles. Eles também querem ter soberania de negociação, para não vender o árduo trabalho por um valor que não justifica com os gastos de produção.
“O que mais me ressalta os olhos ali, é que está sendo incentivado um protagonismo também da comunidade. Pelo o que os caciques nos reportaram, eles têm essa preocupação na comunidade em trabalhar num formato de venda no atacado. Eles não vão ficar vendendo separado para quem aparece ali e paga o preço que quer. Eles querem ter o poder de negociar um valor que seja justo para a comunidade”.
Marcos Balbino, engenheiro agrônomo e coordenador do subprograma AFPCT, terceira pessoa da direita para a esquerda, junto à comunidade (Crédito: Vitória Lopes / REM MT)
Programa REDD Early Movers Mato Grosso – REM MT
Lançado na Conferência Rio+20 em junho de 2012 e financiado pelo Banco Alemão KfW e pelo governo do Reino Unido (BEIS), o Programa REDD Early Movers (REM) é uma iniciativa inovadora que recompensa os pioneiros na conservação florestal e na mitigação das mudanças climáticas. O Programa fornece pagamentos baseados em resultados para redução de emissões por desmatamento verificadas, tornando-se assim uma iniciativa de REDD, de acordo com as decisões assumidas na Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC).