Por Vitória Lopes
Antes de o sol nascer, elas já estão em pé, na lida do campo. Em uma rotina que pode durar até 14 horas, com o sol se escondendo de novo, as mulheres da cadeia do leite fazem a ordenha, higienizam os galpões, alimentam os animais e cuidam do pasto. O árduo trabalho, por sua vez, ganha reconhecimento aos poucos.
E no intuito de ampliar e valorizar cada vez mais o trabalho dessas mulheres e de toda a cadeia leiteira, a Cooperprata (Cooperativa da indústria alimentícia do leite de Brasnorte), criada em 2016, se inscreveu no edital do Subprograma de Agricultura Familiar e de Povos e Comunidades Tradicionais (AFPCT), do programa REM MT.
Janeina fala sobre como as mulheres lidam com a cadeia leiteira (Foto: REM/MT)
De acordo com a coordenadora de finanças da Cooperprata, Janeina Braun, as mulheres exercem um importante papel na produção de leite. Responsáveis pela ordenha, elas direcionam as compras de insumos, assim como os trabalhos a serem feitos.
“Mesmo que o associado aqui seja homem, na maioria das famílias quem toca a frente dessa atividade é a mulher, pra fazer a ordenha. Ou seja, ela já tem mais cuidado com a higiene na hora de tirar o leite, tanto na hora da ordenha como depois, manter o local limpo pra próxima hora que for tirar o leite”, explica.
Sinair foi até a loja da Cooperprata em Brasnorte comprar insumos para seu gado (Foto: REM/MT)
Um exemplo disso é a produtora rural, Sinair Caldeira Primo. Enquanto fazia suas compras de vermífugo e vitamina para o gado, na loja da Cooperprata, ela conta que, de modo geral, não vê diferença no trabalho do homem e da mulher na cadeia do leite. Porém, percebe que em outras lojas costumam tratá-la diferente por conta do gênero.
“Nas outras lojas, quando chega o produtor homem ele é mais visto, é ‘um homem com mais responsabilidade’. Aqui na cooperativa não, eu me sinto a ‘dona do negócio’, dona de toda a liberdade, porque sou tratada como se chegasse um homem, aqui não tem essa diferença”, relata.
Sinair começou na função após se casar.
“Meu marido sempre tirou leite. Crescemos os filhos, os filhos tudo já saíram de casa, só está nós dois e a gente continua a tirar o leite, desde sempre!”, ri ao comentar.
Ela também brinca que “casou com a cooperativa”. A Cooperprata, além de facilitar as compras dos insumos para o gado, ajuda a orientar os produtores, desde como fazer a silagem até a como preservar o pasto.
“Antes a gente não tinha uma orientação, levava do jeito que achava que era o certo. Hoje não, a gente consegue produzir com melhor qualidade, com ajuda deles. A questão de compra também a cooperativa é bem melhor, porque no outro comércio a gente paga um pouquinho mais caro”.
Sueli não troca sua vida no campo pela cidade (Foto: REM/MT)
Assim como Sinair, Sueli também divide a mesma história: começou na produção de leite após casar-se com o marido Adriano Garcia, que é fundador da Cooperprata.
Sueli morou na cidade durante a adolescência, porém, compartilha uma paixão pela vida bucólica que leva no assentamento São Bento. Ela e a filha coordenam a ordenha. Bem cedo, põe a mesa com o leite recém tirado da vaca, servido com queijo feito por ela.
“Aqui tem bastante mulher que gosta de tirar leite. Eu falo que o leite é a família, é a mão de obra familiar que alavanca o leite. É um ajudando o outro, um faz uma coisa, o outro faz outra. Tem outros cooperados que as mulheres vão lá tirar o leite cedo, e elas têm certeza que gostam também, eu vejo isso”, observa.
Ela não deixa de reconhecer como a atividade leiteira requer dedicação diária e investimento. Antes da cooperativa, as famílias vendiam o leite a preços muito baixos para os laticínios, que aproveitavam a falta de concorrência.
“A cooperativa quer sempre melhorar o preço para o produtor, porque sabe das dificuldades que o produtor tem para produzir aquele leite, porque hoje em dia não é fácil para ninguém, principalmente para aquele que produz. Às vezes, lá na prateleira tá caro, mas não sei porque fica tão caro lá, viu! Porque a gente que está aqui no campo não vende assim tão bem para estar naquele preço lá…”, comenta.
Outubro Rosa no campo
A orientação da cooperativa vai além dos assuntos relacionados ao cuidado com o pasto e gado, como também a adesão ao Outubro Rosa. Com o número crescente de associadas, assim como as mulheres que fazem parte da família dos associados, a Cooperprata levou profissionais da saúde para instruí-las quanto ao câncer de mama, que é o que mais mata mulheres.
“Desde o ano passado eles estão fazendo o Outubro Rosa, porque eu acho assim que é um projeto muito bom pra nós mulheres e pra toda a sociedade, acho que é um projeto que nos beneficia bastante, acho que tira bastante dúvida, de trazer profissionais para nos orientar”, conta Sinair.
Sueli também celebra que a campanha do Outubro Rosa foi muito bem-vinda pelas mulheres, especialmente por serem muito tímidas.
“As mulheres do interior vejo que são muito vergonhosas, tem aquela certa timidez de ir ao médico. As campanhas abrem a mente da mulher, para que ela não precise ter vergonha de ir lá. É uma coisa necessária, uma prevenção para sua saúde”, conta.
Por conta da falta de orientação, acabam não acompanhando os exames de rotina, primordiais para detectar os primeiros sintomas.
“Não sei se [as mulheres] da cidade são mais abertas, mas as mulheres do campo são mais vergonhosas, aí ficam um tempo sem se cuidar, e às vezes quando vai lá [no médico], faz um exame e é tarde”, reconhece.
Programa REDD Early Movers – REM
Lançado na Conferência Rio+20 em junho de 2012 e financiado pelo Banco Alemão KfW e pelo governo do Reino Unido (BEIS), o Programa REDD Early Movers (REM) é uma iniciativa inovadora que recompensa os pioneiros na conservação florestal e na mitigação das mudanças climáticas. O Programa fornece pagamentos baseados em resultados para redução de emissões por desmatamento verificadas, tornando-se assim uma iniciativa de REDD, de acordo com as decisões assumidas na Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC).