No leste de Mato Grosso, a impressão que se tem das 25 cidades que fazem parte do Vale do Araguaia é de que elas pararam no tempo. A logística precária comprometeu o desenvolvimento do local. E por conta disso, a região ficou conhecida como o “Vale dos Esquecidos”.
Apesar da dificuldade trazida pela falta de infraestrutura, a produção pecuária não precisa ser esquecida. Pensando nisso, o projeto “Araguaia Sustentável”, apoiado pelo Programa REM MT, busca trazer práticas sustentáveis e modernas aos pecuaristas, garantindo melhor qualidade de vida, aumento da economia local e colaboração com o meio ambiente.
O projeto teve início no segundo semestre de 2022, organizado pelo Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (IMAFLORA). O objetivo principal, segundo a coordenadora do Subprograma Produção, Inovação e Mercado Sustentáveis (PIMS) do REM MT, Daniela Melo, é fortalecer a inclusão de pequenos e médios produtores da região, incentivando as boas práticas na pecuária.
“É promover ações para o aumento da produtividade bovina, sem incorporação de novas áreas, fomentar boas práticas entre pequenos e médios produtores e valorizar a carne produzida de forma responsável em Mato Grosso”, detalha Daniela.
A inclusão está atrelada ao desenvolvimento, pois o propósito também é levar até aos pequenos e médios produtores tecnologias e ferramentas, que normalmente só os grandes produtores têm acesso, explica o coordenador do projeto, Marcelo Carpintéro.
Após fazer o levantamento com sindicatos rurais e as prefeituras, 30 produtores foram atendidos, com propriedades de 50 a 1.500 hectares. A Imaflora realiza o trabalho em conjunto com a Liga do Araguaia, uma iniciativa da região. Ao todo, foram investidos R$ 1.621.833,09 pelo Programa REM MT.
Da esquerda para a direita: Izamara, Patrícia, Knoch, Hiltonis (técnicos Liga Araguaia) e Selma (produtora) (Foto: Imaflora)
“Fazemos o contato e não só explicamos o projeto de pecuária sustentável, como apresentamos todos os benefícios sociais, ambientais, financeiros e econômicos que se obtém ao ser um beneficiário do projeto”, pontua Marcelo.
Mesmo o foco sendo pecuária sustentável, alguns inscritos também possuem propriedades que tem integração lavoura-pecuária, lavoura-floresta-pecuária e sistemas agroflorestais.
Mudanças de realidade e perspectiva
A dificuldade mais sentida pelos produtores do Vale do Araguaia, é a precariedade do escoamento, já que as más condições das estradas impedem que insumos e produtos cheguem ou deixem a região.
Estradas na região começam a ser mudadas pelo governo (Foto: José Medeiros/GCOM MT)
No início, Marcelo relata que o desafio foi sentar e conversar com os produtores sobre sustentabilidade. Muitos herdaram o ofício do campo de seus familiares, portanto, acabam reproduzindo técnicas ultrapassadas que causam danos ao meio ambiente e, no final das contas, reduzem a produtividade e trazem prejuízos.
“Realmente não é fácil chegar, comunicar a fazer a mudança [de gestão]. Todo mundo sofre e eles [produtores] ainda mais. Mas, nós temos uma estratégia de total transparência, de mostrar conteúdos, dar exemplos de propriedades e práticas que funcionaram. Nosso conteúdo é sempre direcionado pro ponto comum de principal interesse de todos: o ganho econômico”.
A estratégia demonstra como reflorestar, recuperar uma nascente, proporcionar bem-estar animal e sistema de gestão da propriedade. Com referências, os profissionais demonstram aos produtores que as boas práticas geram aumento de produtividade e de receita.
“Uma integração de lavoura-floresta-pecuária vai gerar bem-estar animal, melhoria no pasto e isso vai gerar aumento da produtividade, engorda mais rápido e aumento no preço de venda”, explica.
Sem o ambiente, não vivemos
O produtor João Violim visitou Mato Grosso para uma pescaria em 1992 e se apaixonou pela região. 11 anos depois, em 2003, decidiu comprar uma fazenda a 2 km de Nova Xavantina.
No entanto, a propriedade estava desmatada perto do rio, provavelmente porque o gado bebia água no local. “Em 2011 fizemos o CAR (Cadastro Ambiental Rural), antes do novo Código Florestal. O desmatamento estava caminhando pra beira do rio, o pessoal mexe demais na beira de rio. Cerca de 4,5 km desmatado”, recorda.
Apesar das dificuldades trazidas pela má estrutura das estradas, pecuaristas resistem e adotam práticas sustentáveis (Foto: Imaflora)
“Eu gosto de mato, sou caipira nascido na enxada”, declara João, que nunca tirou uma folha de árvore da fazenda e iniciou o processo de reflorestamento, após contratar um gestor ambiental.
Mais de 58 hectares já foram recuperados, além de produzir em sistema rotacionado e fazer um cocho especial para o gado beber água.
“O gado não bebe mais água do rio, até pro gado é bom isso. As vacas são muito mais bonitas, bebem aguinha pura”, avalia sobre o bem-estar animal.
O local acabou se tornando um modelo e João colabora doando mudas para o projeto. Ele chegou a produzir 5 mil delas.
“É maravilhoso, a união faz a força, nós, produtores, temos que nos unir para o meio ambiente, que é importante, sem ele não vivemos”, disse.